domingo, 18 de outubro de 2015

As memórias de Machado de Assis sobre o Velho Senado






Machado de Assis conta-nos que conheceu Quintino Bocaiuva na década de 1860[1]. Na saída de um teatro foram tomar um chá; o encontro foi animado por intensa conversa que alcançava assuntos de literatura e de política. Machado reconhecia em Bocaiuva um republicano idealista, ainda que a propaganda republicana ganhasse corpo somente cerca de dez anos depois e triunfasse somente em 1889. Bocaiuva acabou ministro do governo provisório de Deodoro da Fonseca; Machado fundou a Academia Brasileira de Letras e é o principal nome de nosso panteão literário. À época do encontro narrado por Machado, este último e Bocaiuva eram cronistas parlamentares[2].

A referência a Quintino Bocaiuva se encontra em excerto que Machado de Assis publicou sobre o Senado, que conheceu como jornalista, ainda na adolescência; em algum ponto do texto, com referência às eleições, escreveu que estas trouxeram à sua imaginação adolescente uma “visão rara e especial do poder das urnas”[3].
Essa crônica é reminiscência política de primeira ordem, que nos expõe homens e instituições dos tempos antigos. Provoca-nos uma aporia: afinal, teriam sido melhores os homens e instituições dos tempos antigos ou, simplesmente, seríamos piores justamente porque herdeiros dos erros e desacertos dos homens e instituições que nos precederam. Não arrisco opinião, mas provoco o leitor.
O escritor fluminense registrou neste texto de memórias que “os senadores compareciam regularmente ao trabalho (...) era raro não haver sessão por falta de quórum”[4]. Machado lembrou que não havia tumulto nas sessões, “a atenção era grande e constante”[5]; observou que “o Senado contava raras sessões ardentes; muitas, porém, eram animadas”[6]. Havia uma particularidade no velho Senado: muitos senadores lá chegavam em carruagem própria[7]. Vestiam pesadas fardas, situação que há já muito tempo provocara a reação de Machado: “quanto coisa obsoleta! ”[8]
Os homens empolgavam a memória de Machado. Eusébio de Queiróz “era fluente, abundante, claro, sem prejuízo do vigor e da energia”[9]. Zacarias de Góes e Vasconcelos “tinha a palavra cortante, fina e rápida, com uns efeitos de sons guturais, que a tornavam mais penetrante e irritante”[10].
Abrantes era um “canário falando (...), fluente, acaso doce, e, para um povo mavioso como o nosso, a qualidade era preciosa”[11]. Paranhos era “alto e forte (...) ainda belo e robusto na velhice; (...) costumava falar com moderação e pausa: firmava os dedos, erguia-os para o gesto lento e sóbrio, ou então para chamar os punhos da camisa, e a voz ia saindo mediada, colorida”[12].
Não contamos mais em nosso Senado com os Sousa Melos, Montezumas, Uruguais, Itaboraís, Sousas Francos, Nabucos, Monte Alegres, Caxias, Ouro Pretos, Sinimbus. Difícil saber se os tempos que vivemos são melhores, iguais ou piores. Como também é intrigante pensarmos se somos o que somos porque herdeiros dos erros dos que foram, os simplesmente porque desprezamos nossas heranças. O próprio prédio do velho senado foi derrubado: algum babaquara convenceu a todos que o progresso se constrói com o desprezo ao passado.
FONTE: Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2015, 8h01

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